IGREJA PRESBITERIANA INDEPENDENTE DE PENDÊNCIAS


Friday, February 23, 2007

Escândalo Evangélico


Christianity Today, Abril de 2005, Vol. 49, No. 4, Pág. 70 Trad. Anamim Lopes Silva O

Escândalo Evangélico

Ron Sider diz que o movimento está despedaçado em hipocrisia, e já é hora de uma mudança séria. Ron Sider tem sido, por décadas, uma das vozes mais estridentes da chamada consciência ética do mundo evangélico. No seu livro, publicado em 1977, Rich Christians in an Age of Hunger, traduzido para o português sob o título "Cristãos Ricos em Tempos de Fome" (SIDER, Ronald J. São Leopoldo: Sinodal, 1982. 239p.), ele censura o materialismo dos crentes diante das desesperadoras necessidades globais. Sider, professor de teologia, ministério holístico e políticas públicas no Eastern Baptist Theological Seminary, alçou sua mais nova imprecação: The Scandal of the Evangelical Conscience - O Escândalo da Consciência Evangélica - ainda sem tradução para o português (Baker Books, 2005). Nele, Sider emparelha-se à crítica de Mark Noll ao antiintelectualismo do evangelicalismo americano em The Scandal of the Evangelical Mind (O Escândalo da Mente Evangélica). Sider diz que a crise atual abrange a mente e o coração. Stan Guthrie, editor sênior associado de Christianity Today, entrevistou Sider.

O que mais preocupa o Sr. hoje nos evangélicos? O problema mais crucial é o fracasso escandaloso de não vivermos o que pregamos. A tragédia é que pesquisas após pesquisas dos institutos Gallup e barna mostram que os evangélicos vivem exatamente como o mundo inconstante. Coloque isso em contraste com o que o Novo Testamento diz sobre o que acontece quando as pessoas vêem à fé viva de Cristo. Lá se pressupõe a transformação radical pelo poder do Espírito Santo. Penso que a desconexão entre a nossa fé bíblica e a nossa prática é por demais gritante. Sou evangélico profundamente comprometido. Por toda a minha vida tenho assumido compromisso sério com a fé evangélica e com a renovação da igreja evangélica. E essas estatísticas estilhaçam o meu coração. Fazem-me chorar. E de alguma maneira precisamos enfrentar essa realidade e mudá-la.

O Sr. tem falado freqüentemente sobre os fracassos evangélicos na sociedade, exemplo, "Cristãos Ricos em Tempos de Fome". Esta crítica mais recente abrange não somente temas relacionados com a justiça social mas também com a moralidade pessoal.

Isso foi intencional? Sempre tive preocupação com o conjunto completo dos temas bíblicos. Meu compromisso é ser biblicamente fiel, e não ficar calcando somente num determinado tema. Mas uma boa porção do que tenho escrito trata de temas sociais que chamam os evangélicos para um engajamento, por exemplo, a questão da pobreza daqui e do exterior. Mas você está certo. Este livro fala de um conjunto de coisas que todos nós evangélicos concordamos que são exigências bíblicas. Os cristãos evangélicos e os nascidos-de-novo praticam o divórcio tanto quanto, ou um pouco mais, do que a população em geral! E o Instituto Barna descobriu que 90 por cento dos divórcios ocorrem após esses cristãos nascidos de novo terem aceitado a Cristo. Quanto à promiscuidade sexual, estamos numa situação provavelmente um pouco (n.b.) melhor do que a população em geral. Josh McDowell estimou que talvez nossa juventude evangélica é 10 por cento melhor. Que o Senhor tenha misericórdia de nós! Ao menos é uma diferença mensurável. Bem, é mensurável, embora não haja [dados] tão seguros sobre uma ou outra questão. John Green, um dos maiores pesquisadores evangélicos, disse que aproximadamente um terço dos evangélicos aceitam como normal o sexo pré-marital. E aproximadamente 15 por cento dizem que o adultério é normal. Tome o caso do racismo. Um estudo do Gallup descobriu que quando se faz a pergunta, "você tem objeção a que um vizinho negro se mude para sua vizinhança de porta?", os menos preconceituosos são os católicos e os não-evangélicos. O próximo grupo, em termos de rejeição de preconceitos, pertence ao dos protestantes históricos. Evangélicos e os batistas do sul eram os piores nesse quesito. Alguns estudos revelam que a incidência de abuso físico e sexual em lares teologicamente conservadores é mais ou menos equivalente aos outros quaisquer. Um longo estudo da Igreja Cristã Reformada, membro da NAE (Associação Evangélica Nacional - EUA), descobriu que a incidência de abuso físico e sexual nesta denominação evangélica era mais ou menos equivalente à população em geral. Estudo recente sugere que os homens evangélicos até aqueles que freqüentam regularmente à Igreja são um pouco (n.b.) menos tendentes do que a população geral a cometer a violência doméstica. O materialismo continua sendo um escândalo inacreditável. Hoje, o membro de igreja histórica [de qualquer denominação] contribui à Igreja em média com aproximadamente 2,6 por cento de sua renda - um/quarto do dízimo. Os evangélicos se saíram um pouco melhor [em contribuir] do que as principais denominações. Mas seu donativo tem declinado a cada ano por diversas décadas, e estão conseguindo chegar perto da norma geral. A contribuição média do evangélico é aproximadamente 4,2 por cento - algo próximo de dois quintos do dizimo. Seis por cento dos "nascidos de novo" dizimam; assim como nove por cento dos evangélicos. Nossa renda esteve além do que chamaríamos de fabuloso nos últimos 30 anos. A renda média das famílias agora nos EUA é de mais de 42 mil dólares. Mas se o cristão americano médio dizimasse teríamos nos cofres da Igreja a mais 143 bilhões de dólares. Numa época em que as pessoas que sustentam valores tradicionais parecem reassumir posição central na política, seu livro diz que nem tudo está bem com nossas escolhas diárias na esfera privada.

De fato, o sr está acusando os evangélicos de hipocrisia. Essa conclusão é justa? Não tenho prazer em fazer isso. Faço-o com lágrimas nos olhos. Temos que enfrentar a realidade. Isso que estamos presenciando é algo inacreditavelmente trágico e, sim, hipócrita. Evidencia-se que justamente quando os evangélicos têm maior poder político para repor os valores morais nesta sociedade, maior do que antes tiveram por um longo tempo, a estatística pura em sua própria amostra viva demonstra que se não vive o que se fala. Decerto temo em dizer. Isso é hipocrisia. Assim temos que colocar em ordem a nossa própria casa antes de impor integridade ou qualquer eficácia no sentido de ajudar a sociedade em geral recuperar a saúde de 'famílias atípicas' de dois pais ou de duas mães.

Não houve sempre uma época em que a igreja típica vivesse fora da fé muito mais do que agora? Alguns podem argumentar que é justamente a natureza de uma igreja pecaminosa que precede a Segunda Vinda. Não temos estatísticas relativas aos anos de 1860 ou de 1700, assim é difícil responder essa pergunta com precisão. Mas quando olhamos para a historia da igreja, vemos que tem havido fluxos e refluxos, às vezes a igreja era especialmente infiel e cheia de desobediência e de hipocrisia. Em outras épocas houve uma renovação poderosa, e grandes grupos de cristãos eram maravilhosamente transformados. Consta que durante o reavivamento do País de Gales as prisões ficaram praticamente vazias e não muitas pessoas procuravam os pubs porque havia se dado uma transformação radical num grande número de pessoas.

A que fase da história o Sr. compararia o nosso próprio tempo? Se a questão for de obediência evangélica, então certamente não estamos vivendo tempos de reavivamento. Como podemos dar a guinada de 180º no navio? Precisamos repensar nossa teologia. Precisamos questionar, "Estamos sendo realmente bíblicos?" Na 'graça barata' reside exatamente o "x" da questão. A 'graça barata' ocorre quando reduzimos o Evangelho a mero perdão de pecados; quando relegamos a salvação à condição de mero seguro pessoal contra o fogo do inferno; quando compreendemos mal as pessoas como se fossem essencialmente almas; quando, na melhor das hipóteses, apreendemos somente metade do que a Bíblia diz sobre pecado; quando abraçamos o individualismo, o materialismo e o relativismo de nossa cultura atual. Deixamos muito a desejar em termos de entendimento e prática bíblicos enquanto igreja. Eu gostaria de pensar que os evangélicos querem conseguir ser bíblicos e definir o Evangelho à maneira como Jesus o definiu -- que é que é boa notícia do reino. Então vemos que isso significa que a maneira de começar neste reino é com a graça incondicional por meio da qual Jesus morreu por nós. Mas significa também que há agora uma comunidade nova do reino dos discípulos de Jesus, e esse aceitar Jesus significa não apenas conseguir o seguro de vida contra incêndio de tal modo que não se vai mais para o inferno, mas significa aceitar Jesus tanto como Senhor como Salvador. E isso significa o inicio de uma vida como parte de sua nova comunidade aonde tudo está sendo transformado.

O Sr. está colocando pelo menos boa parte da culpa no individualismo americano? Não há nenhuma questão que seja tão central quando essa. Tendemos a reduzir a salvação a somente o perdão dos pecados. No Novo Testamento, a salvação significa isso, graças a Deus, mas também significa nova vida transformada que é possível através do poder do Espírito. Significa a nova existência comunal da corporação de crentes. Um dos meus exemplos favoritos é a história de Zaqueu. Ele é alguém envolvido no pecado social como iníquo coletor de imposto. Quando vem a Jesus, dá a metade de seus bens e resgata tudo o que foi feito errado. Jesus diz no fim da história, "hoje veio salvação a esta casa." Não há uma palavra no texto sobre o perdão de pecados. Ora, tenho certeza que Jesus perdoou os pecados daquele canalha; claramente ele precisava disso. Mas o que o texto fala é sobre novos relacionamentos econômicos transformados que ocorrem quando Zaqueu vem a Jesus. A salvação é muito mais do que apenas um novo relacionamento correto com Deus a partir do perdão de pecados. É um novo estilo de vida transformado que você pode ver a olho nu na corporação de crentes. Obviamente ser discípulo significa que há uma disciplina.

O Sr. vê a negligência da disciplina da igreja em nossos dias como um fator nesta crise moral? É parte da questão maior de recuperar a compreensão do Novo testamento pela Igreja. A cultura atual é radicalmente individualista e relativista. Qualquer sentimento correto meu, é correto para mim; qualquer sentimento correto seu é correto para você. Eis o valor dominante. Considera-se afrontoso que alguém diga que outrem seja errado. Mas a fé histórica bíblica entendia a igreja como uma comunidade nova. As imagens básicas da igreja do Novo Testamento são a do corpo de Cristo, do povo de Deus, e da família de Deus. Isso tudo enfatiza a realidade de que estamos falando acerca de uma comunidade nova -- uma ordem social nova, visível. Essa comunidade nova no Novo Testamento vivia tão diferentemente do mundo que as pessoas poderiam dizer, "uau, o que está acontecendo aqui?" Os judeus aceitavam gentios. Os ricos aceitavam os pobres e compartilhavam com eles. Os homens aceitavam as mulheres como iguais. E os povos ficavam realmente atônitos de tanto que a igreja era diferente do mundo. Era contracultural. Além disso, [a Igreja do Novo Testamento] compreendia que ser membro do Corpo de Cristo significava que você era um com o outro, e outro com um, accountable, isto é, responsável por prestar contas. Se alguém sofresse, todos vocês sofreriam. Se alguém se alegrasse, todos vocês se alegrariam. No Novo Testamento havia o comovente compartilhar econômico, e havia a disciplina da igreja. Jesus falou explicitamente sobre a disciplina da igreja em Mateus 18. Paulo claramente tinha suas igrejas como vivas vista do lado de fora. Todas as grandes tradições do núcleo do evangelicalismo americano, seja a tradição reformada, a tradição metodista-wesleiana, ou a tradição anabatista, aceitavam coerentemente a disciplina eclesiástica quando eram fortes e prósperas. Mas muito poucas igrejas evangélicas nos dias de hoje têm apropriado totalmente de forma séria e prática a disciplina eclesiástica. Não tem sido assim, ao menos em parte, por que se abusou da disciplina eclesiástica ou ela tenha se tornado legalista e malévola? Claro que em parte é por causa disso sim. Mas não podemos desistir do casamento porque muitas pessoas o bagunçaram tão terrivelmente. E não devemos desistir da disciplina eclesiástica apenas por que tão freqüentemente a aplicamos de maneira legalista Temos que recuperar a compreensão do Novo Testamento. John Wesley pô-la maravilhosamente quando disse que disciplina eclesiástica é um prestando atenção ao outro com amor. Hoje, enquanto tantas igrejas têm abandonando a verdade bíblica, o sr disse em seu livro que todas as congregações precisam estar conectadas a uma denominação.

O Sr. tem falado sério? Claro que sim! É simplesmente errado uma igreja local não ter responsabilidade alguma perante o seu dever de prestar contas accountability) a um corpo maior. Agora, não estou dizendo que tem que ser uma das denominações atuais. Pode haver novas estruturas de accountability. Quaisquer igrejas locais que se sentirem que devem quebrar laços com quaisquer dessas denominações mais velhas que não sejam mais fiéis teologicamente ou em termos de prática moral devem tentar fazer parte de alguma nova estrutura denominacional ou organizacional para assim não serem do tipo combatentes solitários. Precisam ter uma estrutura maior de responsabilização. É categoricamente anti-bíblica e herética uma congregação individual dizer, "teremos somente sobre nós e não prestaremos contas a ninguém". O que é correto à igreja fazer? Vejo o movimento de pequenos-grupos como um sinal promissor. Uma das formas mais importantes de desenvolvermos a responsabilização (accountability) mútua na igreja local é através de pequenos grupos. É praticamente impossível seguir a Jesus em [matéria de] sexo e casamento ou em dinheiro e em ajudar aos pobres cada um por. Você precisa de sustentação forte de outros irmãos e irmãs. Quando toda a igreja local vai nessa direção, precisamos que pequenos grupos se incumbam dos detalhes e falem sobre esses esforços e passem a sustenta-los por meio de encorajamento e oração. Eu espero que cada pessoa em todas nossas igrejas com mais de 50 membros existam em pequenos grupos.

Que outras coisas os evangélicos estão fazendo bem contemporaneamente? Nos últimos 30 anos, fizemos progresso significativo em compreender que a missão da igreja é fazer evangelismo e ministério social. Está crescendo também a compreensão de que não podemos ter uma agenda de um tópico apenas enquanto nos vermos envolvidos na vida pública. A recente declaração da NAE - Associação Nacional dos Evangélicos, "For the Health of the Nation: An Evangelical Call to Civic Responsibility ("Pela Saúde da Nação: Uma Chamada à Responsabilidade Cívica Evangélica" rejeita explicitamente a política de um único tema e diz que o fiel engajamento político evangélico será baseado em uma agenda biblicamente equilibrada. Isso significa, sim, para todos efeitos, um interesse com a santidade da vida humana e com a renovação da família. Mas significa também um interesse pela justiça para com os pobres. Significa o interesse para com o cuidado com a criação, pelos direitos humanos, e pela pacificação. Simplesmente não podemos permitir que a política de direita ou de esquerda faça por nós a nossa agenda política.

Em que outras áreas o Sr. tem pessoalmente trabalhado? Há anos que tenho precisado dar continuidade ao trabalhar de garantir que a minha vida espiritual pessoal seja contínua em termos de hora para orar e ter as minhas devocionais regulares. O que continua sendo um desafio permanente. Realmente, tenho desejado ferventemente que cada canto de minha vida seja submetidos a Jesus Cristo e à verdade bíblica. Viver sem se importar com questões financeiras continua sendo um desafio para mim. Nada é fácil. Mas, se decidirmos e pedimos ao Espírito para nos transformar, penso, coisas maravilhosas podem acontecer. O Sr. está esperançoso quanto ao resultado da discussão das questões sobre as quais o Sr. escreveu? Ou está preparado para a frustração? Pessoalmente, por natureza, sou bem otimista. Esse fato pode não estar completamente claro neste livro, mas penso que é fato. Estou verdadeiramente entusiasmado em virtude da renovação do mundo evangélico, ocorrida nos últimos 50 anos. Tem sido tremendo o movimento de mudança e o crescimento desde que Carl Henry escreveu The Uneasy Conscience of Modern Fundamentalism (A Irrequieta Consciência do Fundamentalismo Moderno). Houve um crescimento incrível de institutos bíblicos e seminários evangélicos e seminários, da erudição evangélica, de igrejas evangélicas. Apontei a direção para onde crescemos. Penso que avançamos em compreender a missão da igreja como sendo evangelismo e ministério social. Certamente crescemos em termos de número de agências evangélicas que trabalham com os pobres. Há cinqüenta anos atrás a Visão Mundial era um coro de crianças órfãs coreanas. Hoje é uma agência enorme, e há dezenas de outras agências evangélicas de auxilio e desenvolvimento que trabalham com milhões de dólares. Às vezes me sinto desanimado, outras vezes eu penso, "eia, as próximas décadas podem ser simplesmente fabulosas. Mas, estou certo também de que não estaremos nem perto da promessa e do cumprimento do que é possível a menos que enfrentarmos frente a frente a maneira escandaloso que estamos atualmente vivendo. Não vivendo o que pregamos.

O movimento evangélico está marchando para o fim se não fizermos nada quanto a estes problemas? O Senhor não aceita de jeito nenhum a hipocrisia e a desobediência. Ele pune, e há um tipo inevitável de declínio que começa quanto você é hipócrita e não pratica o que prega. Não acontecerá imediatamente; nossas instituições são fortes. Mas dentro de um período de tempo certamente representará o declínio maior. Eu acho incrivelmente irônico que nos recentes últimos meses esteja sendo exaltada a importância da vida política que esteja promovendo os valores morais e famílias saudáveis. E de repente você tem estes dados surpreendentes de que os evangélicos vivem da mesma maneira que o mundo em termos de divórcio. É inacreditavelmente irônico que um dos assuntos - com o qual eu vigorosamente concordo - diz respeito a como a vida pública afeta o casamento. Sou a favor da correção no casamento. Mas precisamente num ponto em que é focalizado por nossa retórica política como evangélicos, temos que enfrentar o fato de que não somos diferentes do mundo. E que é a prosaica hipocrisia, incrível, que enfraquece nossa mensagem à sociedade em geral de forma terrível.

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