IGREJA PRESBITERIANA INDEPENDENTE DE PENDÊNCIAS


Friday, December 21, 2007

Bem e mal


Ricardo Gondim

Naran, meu neto, gosta de classificar os personagens de seu mundo infantil em rígidas categorias. Vez por outra, ele me pergunta: “Vovô, o Homem Aranha é do bem ou do mal?”. Claro, procuro antecipar-me às suas expectativas e digo que o seu herói é do bem. Certo dia, vi-me num beco sem saída. Sério como um professor na hora da sabatina, ele me questionou: “Vô, Davi era do bem ou do mal?”. Eu respondi sem titubear: “Do bem”. “E Golias?”. Não hesitei: “Do mal”. Com essas duas respostas para trabalhar em sua cabecinha, ele recontou o que aprendera sobre o célebre embate entre o rei e o gigante, e emendou: “Mas, vô, Davi cortou a cabeça de Golias depois que o derrubou com uma pedra, não foi? Naquela hora ele não virou num homem do mal?”. Só consegui responder: “Eu nunca tinha pensado assim, mas acho que você tem razão”.

Nossa disposição para separar as pessoas em arraiais distintos, além de ingênua, não subsiste aos questionamentos de uma criança. Os seres humanos são infinitamente mais complexos que nossas pobres categorizações. Recentemente, vi o filme sobre a vida da cantora francesa Edith Piaf. Sua história mexeu com as minhas emoções, saí do cinema com o coração comovido. Sua infância, suas constantes perdas, sua adolescência nas sarjetas a tornaram uma mulher tempestiva, que bebia demais e parecia desequilibrada. Mas ela não podia ser rotulada com gradações que vão de boa a perversa.

Os personagens bíblicos são inconstantes em suas virtudes e os vilões não encarnam o mal absoluto. O único personagem bíblico absolutamente mal é Satanás. Todos os demais agem com vileza e bondade; são execrados e aplaudidos. Abraão creu, hesitou, mentiu. Moisés ousou, titubeou, perseverou. Davi amou, assassinou, arrependeu-se. A seqüência de exemplos lota o texto sagrado. Todos os heróis são cavalheiros e nobres, réprobos recomendáveis.

Jesus lidou com a alma humana como um vasto universo. Ele era extremamente cuidadoso e jamais subestimava a subjetividade de cada pessoa. Não deixou que apedrejassem a mulher apanhada em adultério. Considerava injusto que aqueles religiosos não levassem em conta o passado, os traumas, as feridas anteriores de tal muher. Não, ele não permitiria que a história dela fosse jogada na sarjeta só para que a lei fosse mantida. Quando li a biografia do Garrincha, talvez o maior ponta-direita do futebol brasileiro de todos os tempos, não consegui depreciá-lo como um devasso, mas como um desafortunado, um alcoólico carente de misericórdia. Chorei por sua sorte.

Li uma frase no blog do Allyson Amorin (http://alyssonamorim.blogspot.com/) que apreciei bastante: “Por trás de uma grande queda há sempre uma curva acentuada”. Quanta verdade! Devemos olhar não apenas para as quedas, mas considerar também as curvas acentuadas.

A monumental obra de Victor Hugo Os Miseráveis expôs Javert como um homem detestável, porque não conseguia conceber que um condenado pudesse ter alguma nobreza no coração. Uma vez condenado, para sempre perdido. Os maus mereciam, segundo sua percepção, os rigores da lei.

Jean Valjean, criminoso execrado por um homicídio, foi tenazmente perseguido por Javert, que só se preocupava em mostrar sua coerência com a lei. Durante toda a narrativa, Victor Hugo revela outro lado: o fugitivo era correto, bondoso, nobre, enquanto o legalista, um detestável vingativo. O caráter impoluto do policial camuflava um homem inclemente. A lei e o aparato policial escondiam a pequenez de Javert.

Preocupo-me com os religiosos que identificam facilmente quem vai para o inferno. Regras, conceitos teológicos e catecismos não conseguiriam por si só peneirar os bons dos ruins. Joio e trigo se parecem e é necessário esperar pelo fim dos tempos.

Só Deus conhece os porões de cada vida. Só ele sabe as guinadas que a existência de cada um sofreu, e só ele tem critérios suficientes para lidar com as histórias humanas. E a melhor notícia é que Deus não nos trata segundo uma lei fria. Ele é um pai tão compassivo e bom que no Salmo 103 considera nossa fragilidade como pó e, por isso, afasta de nós as nossas transgressões.

Quando penso em certo e errado, ordem e desordem, ligado e desligado, me esqueço da graça e dessa infinita capacidade divina de nos entender sem explicação. Sem a graça, resta o pavor da lei, que não considera as inadequações humanas, com agravantes e atenuantes. Sim, o justo juiz é um pai que me pôs em seu regaço, sem precisar esclarecer o porquê do seu amor.

Todos nós já nos comportamos como Davi. Em algumas circunstâncias o rei “virou do mal”, mas encontrou a infinita disposição de Deus para tratar-lhe com misericórdia. Essa disposição é a causa pela qual nós também não fomos destruídos.

Soli Deo Gloria.


• Ricardo Gondim é pastor da Assembléia de Deus Betesda no Brasil e mora em São Paulo. É autor de, entre outros, O Que os Evangélicos (Não) Falam e Eu Creio, mas Tenho Dúvidas — a graça de Deus e nossas frágeis certezas. www.ricardogondim.com.br

Possibilidades perdidas pós-Conferência do Nordeste

Orivaldo Pimentel Lopes Júnior

Qual tem sido o papel das igrejas evangélicas na sociedade e na cultura nacional? Apesar de estarmos aqui há 160 anos, termos uma presença numérica considerável, com evangélicos ocupando cargos importantes na política brasileira, continuamos sendo um grupo sectarizado e exótico. Existem causas internas e externas para isso, e a Conferência do Nordeste é uma denúncia de todas elas.

Vivíamos no início dos anos 60 um clima de deslumbramento democrático. Depois de várias décadas de autoritarismo, o Brasil começara com Juscelino Kubitschek a respirar democracia, e isso fez com que o pensamento se abrisse para muitas possibilidades de existência até então inimagináveis. A primeira idéia que ocorreu para grande parcela da população foi: acabar com a situação de miséria no Brasil. Tal transformação, democraticamente provocada pela sociedade, era vista como uma revolução. Essa palavra, no entanto, enchia de pavor as camadas conservadoras da sociedade, que logo acionaram seu poderio militar para apagar qualquer possibilidade de mudança. Com isso, as primeiras lições de democracia sóciopolítica do Brasil foram interrompidas violentamente.

Os brasileiros tiveram que fazer um longo percurso histórico para retornar ao ponto em que estavam no começo dos anos 60. Nesse percurso, dada a violência do incidente da ditadura, algumas coisas ficaram para sempre perdidas, e outras terão que ser reinventadas. Um atraso de 30 anos na história de um povo não é algo que se consiga aquilatar.

No campo religioso, a Igreja Católica Romana estava animada com os avanços do Vaticano II e com o peso de sua estrutura bem estabelecida no Brasil e no Ocidente. Soube atravessar os anos de chumbo, tornando-se uma das únicas brechas de respiração tranformadora no Brasil. As igrejas evangélicas, porém, no que tange à sua missão na sociedade, foram praticamente devastadas.

A Conferência do Nordeste foi a expressão máxima da potencialidade dos evangélicos no Brasil de então. Os palestrantes convidados, grandes expressões da intelectualidade da época, não atuavam na esfera religiosa, mas nem por isso foram impedidos de trazer suas contribuições para o encontro. Não havia a idéia que posteriormente se tornou comum, que um cientista confiável é um cientista confessional, posição, aliás, extrapolada para todas as esferas sociais: político bom é político irmão; psicólogo bom é psicólogo cristã e assim por diante. Só escapavam desse crivo sectarista os profissionais da medicina e da engenharia, porque ninguém é de ferro.

O mais surpreendente, no entanto, não é ter pensadores não evangélicos falando num encontro evangélico, mas tê-los em pé de igualdade com teólogos, sem que estes em nada deixassem a dever àqueles. Imaginemos se tal postura tivesse persistido em nosso meio depois de 1962! Que avanços teríamos em nosso pensamento e produção, que impacto poderíamos ter causado na sociedade, que presença diferenciada teríamos nos meios de comunicação social, que espaços ocuparíamos na academia…

Destaco o aspecto cultural. Na época, dada a preponderância da leitura marxista da realidade social, a cultura era tida como subproduto da estrutura econômica. Tanto é que os grupos de estudo da Conferência se dividiam em “Fronteira Econômica” e “Fronteira Cultural”, apresentados nessa ordem no segundo volume dos anais da Conferência.

A comissão organizadora muito acertadamente escolheu para falar sobre o aspecto cultural o grande sociólogo Gilberto Freire. Sua conferência foi sucinta, mas muito polêmica. Talvez tenha sido a que mais provocou discussões, conforme as crônicas da Conferência escritas pelo pastor Almir dos Santos, presidente do Setor de Responsabilidade Social da Confederação Evangélica Brasileira, no volume 1 dos anais.

Gilberto Freire apontou em seu discurso a ausência dos evangélicos na produção cultural brasileira, e isso irritou muito os participantes. Vejamos suas palavras:

“A despeito do crescente número de cristãos evangélicos em nosso país, ainda não apareceu o brasileiro de gênio, que nascido evangélico, criado em meio evangélico, identificado com a interpretação evangélica da vida e da cultura brasileira, se afirmasse no Brasil grande poeta ou grande escritor em língua portuguesa, ou compusesse música brasileira, marcada por esta interpretação ou por esta inspiração, ou o arquiteto também de gênio que desenvolvesse para as igrejas evangélicas do trópico, um tipo de arquitetura que não fosse nem a imitação do tipo católico, nem reprodução do protestante anglo-saxônico ou germânico.”

Depois de fazer essa constatação, Freire acrescenta:

É curioso que até agora o cristianismo evangélico só tenha concorrido salientemente para enriquecer a cultura brasileira com insignes gramáticos: Otoniel Motta, Eduardo Carlos Pereira, Jerônimo Gueiros. É tempo de o cristianismo brasileiro evangélico ir além e concorrer para esse enriquecimento com um escritor do porte e da flama revolucionária, eu diria, de Euclides da Cunha; com um poeta da grandeza de Manoel Bandeira; com um compositor que seja outro Villa-Lôbos, que componha baquianas brasileiras que sejam interpretação ao mesmo tempo evangélica e brasileira de Bach. Também um caricaturista ou um teatrólogo revolucionariamente evangélico que pela caricatura ou pelo teatro denuncie abusos de ricos que para conservarem um privilégio de classe pretendam se fazer passar por defensores ou conservadores de tradições religiosas ou mesmo do que se intitula às vezes, pomposa e hipocritamente, civilização cristã”. (Cristo e o Processo Revolucionário Brasileiro, vol. 2, p. 62s)

Nesses 45 anos que nos separam da Conferência do Nordeste, essa constatação de Gilberto Freire tem ecoado em nossas mentes e corações. De lá para cá, alguns escritores, caricaturistas e teatrólogos evangélicos têm aparecido. Alguns estavam ali presentes na Conferência do Recife, ouvindo o desafio de Gilberto Freire, como o escritor Rubem Alves e o cartunista Claudius Ceccon. Mas foram poucos os que surgiram desde então, em grande parte por conta da intolerância que se seguiu ao Golpe de 64. Nós evangélicos entramos num ascetismo extra-mundano difícil de superar.

Com a palavra de Freire era de se esperar que, os brios tocados dos evangélicos deflagrassem um processo cultural que certamente nos tiraria da esquisitice histórica e do desprestígio cultural em que fomos atirados. Mas não aconteceu, por causa do reacionarismo interno e do clima político externo que estava para se inaugurar.

A própria conferência já apresentava uma fraqueza, que seria o calcanhar de Aquiles para a realização daquele projeto. Refiro-me à departamentalização dos diferentes aspectos da missão da igreja. A responsabilidade social era um “setor” da Confederação Evangélica Brasileira. Nesses 45 anos conseguimos ensaiar uma recuperação de nosso papel histórico no Brasil e no mundo, ao reinserirmos a noção de integralidade à missão da igreja. Com isso, abrimo-nos para o aspecto da necessária transformação social, mas nunca conseguimos superar totalmente essa setorização dos aspectos da missão. É como se abríssemos válvulas em nossa esfera eclesiástica, pois ainda temos a imagem da igreja como uma esfera.

Para cumprirmos nosso mandato cultural, temos que substituir essa imagem rígida por uma mais dinâmica. Proponho que nos vejamos como fonte emissora de pulsões transformadoras, pulsões que são sempre emissões multiformes em todas as direções. Depois de algum tempo, as ondas emitidas se confundem com outras ondas, e talvez aí seja difícil admitirmos que nossos emissários são ainda evangélicos e não músicos, como é o caso de Bono Vox do U2, mais políticos que evangélicos, mais cientistas que evangélicos, e assim por diante. Certamente a desconstrução do conceito de identidade vai nos perturbar, mas essa é a única alternativa ao sectarismo. Aliás, essa foi a única saída para a salvação, isto é, a desconstrução que Cristo fez de sua identidade divina.

A Conferência do Nordeste e o todo seu entorno político e social brasileiro nos falam que a vida é forte, mas se manifesta de forma frágil. Ela é, como bem dizia Carlos Mesters, uma flor sem defesa. Temos que ser cautelosos e pacientes; não podemos deixar as grandes forças transformadoras serem apagadas pelos coturnos da violência. A maior de todas as forças transformadoras do universo também foi podada pela violência. Refiro-me à encarnação de Cristo. Ele sabia que isso iria acontecer, e deixou sua mensagem bem plantada nos corações de seus seguidores, de onde não poderiam ser arrancadas. Precisamos aprender essa lição com nosso Mestre, para que pulsões transformadoras como foi a Conferência do Recife não venham novamente a ser destruídas.


• Orivaldo Pimentel Lopes Júnior é professor de ciências sociais da UFRN, pastor da Igreja Batista Viva e presidente da Fraternidade Teológica Latino-Americana Brasil

Adoração na igreja evangélica contemporânea

Osmar Ludovico da Silva

Há dois tipos de música, a boa e a ruim — seja ela erudita, MPB, sertaneja, reggae, rap, rock ou gospel. O que me surpreende é a capacidade de o mercado absorver a música ruim. Com a proliferação de compositores, intérpretes, bandas e gravadoras, o cenário evangélico não poderia ser diferente. Tem música boa, mas também tem muita música ruim.

Passamos séculos louvando a Deus com hinos históricos da Reforma. Bastava um hinário, e tínhamos músicas com letras densas, boa teologia e linha melódica harmoniosa.

Nos últimos anos surgiu o que chamamos de louvorzão. Jogamos fora os hinários, a liturgia, aposentamos o piano e o coral e introduzimos a guitarra, a bateria, o data-show, as coreografias e a aeróbica. Surgiu também a figura do dirigente de louvor, responsável por animar a congregação. Daí para a frente há muito barulho, muitas palmas, muitas mãos levantadas, muitos abraços, muitas caretas e cenho franzido. Mas a pergunta que fica é: temos adoração?

O lado positivo do louvorzão é o interesse e a integração na igreja de milhares de jovens. Trata-se de uma oportunidade única para ensinar estes jovens, através do exemplo e da Palavra, o caminho do discipulado de Cristo. Mas fica a pergunta: estarão estes jovens crescendo na santidade e no serviço?

Alguns cultos se tornaram verdadeiras produções dignas da Broadway. Músicos profissionais, cenários, bailarinos e iluminação. Mas fica uma pergunta: toda esta parafernália cênica tem levado o povo de Deus a uma genuína adoração?

A história da Igreja é rica em manifestações artísticas. Ao longo do tempo o louvor foi expresso através de várias expressões musicais. O canto gregoriano, o barroco, os hinos da Reforma, o negro espiritual e os cânticos contemporâneos deixaram sua contribuição à boa música ao longo destes últimos séculos.

Trata-se, portanto, de um equívoco jogar fora toda a herança histórica e achar que esta geração descobriu a forma certa de louvar. Se olharmos do ponto de vista musical veremos que a história nos legou uma herança preciosa. Na cultura gospel do louvorzão tem muita música ruim, muita letra questionável e muito dirigente de louvor que mais parece um animador de auditório.

A igreja pode ser a ponte entre as gerações, entre o antigo e o novo e integrar na adoração tudo o que há de bom na sua herança histórica. Tem muita gente cansada do louvorzão barulhento de letras rasas, de bandas que tocam no último volume, de coreografias esvoaçantes e de ordens do dirigente para abraçar o irmão da frente, de trás e do lado dizendo que o amamos. É constrangedor abraçar alguém e dizer que o amamos quando nem sequer o conhecemos.

A igreja perde quando a ênfase do louvor se desloca da congregação para o palco. Com raras exceções a música é ruim, a letra não tem nada a ver com a realidade do cotidiano ou a teologia reformada e a performance no palco é apelativa.

A igreja perde quando se torna parecida com um programa de auditório e já não cultiva a boa música com cordas, sopros, bons arranjos, corais, quartetos. E perde muito mais quando a adoração se torna um evento estimulado sensorialmente e não uma melodia que emerge de um coração quebrantado e temente a Deus. Adoração é sempre uma resposta humilde, alegre, reverente àquilo que Deus é e faz. Adoramos porque algo aconteceu, algo nos foi revelado, e não o contrário, como pensam alguns, que recebemos a revelação e as coisas acontecem porque adoramos.

A igreja perde quando não há reverência ou temor. O que resta é euforia, excitação e sensações prazerosas. O que é bom em si mesmo, mas não é necessariamente adoração.

É um equívoco pensar que Deus se impressiona com nossos cultos de domingo. Antes, ele acolhe muito mais nossos gestos simples do cotidiano, fruto de um coração humilde e quebrantado, que busca se desprender de ambições e serve ao próximo com alegria. Adoração não é um evento domingueiro bem produzido, mas um estilo de vida que glorifica ao Senhor.

Durante séculos a arquitetura das igrejas e das catedrais destinou o balcão posterior ao coro, ao órgão e à orquestra. Na igreja da Reforma os músicos e o coro se posicionavam na parte da frente da nave, mas sempre ao lado. Mesmo o púlpito não estava no centro, mas ao lado. No centro havia, quando muito, alguns símbolos da fé, que ajudam a despertar a consciência para a experiência do sagrado, com destaque para a mesa do Senhor. A congregação ficava em face ao altar de Deus, sem que nada se interpusesse entre a Santa Presença e a congregação. Este lugar só pode ser ocupado por Jesus Cristo. Ele é o único mediador, ele é o único que pode dirigir o louvor.

Hoje o que se vê é o apóstolo, o bispo, o pastor, o dirigente de louvor e a banda ocupando este lugar, nos levando de volta à Antiga Aliança, quando sacerdotes e levitas eram mediadores entre Deus e os homens. A conseqüência é uma geração de crentes que dependem de homens, coreografias e data-shows para adorar e para ouvir a voz de Deus.

O verdadeiro pastoreio consiste em ajudar homens e mulheres a dependerem do Espírito Santo para seguirem a Cristo, que os leva ao seio do Pai. Ajudar homens e mulheres a crescerem e amadurecerem na fé, na esperança e no amor, integrando adoração, oração e leitura das Escrituras no seu cotidiano.

A contextualização se tornou uma armadilha na qual a igreja caiu. Na tentativa de se identificar com o mundo ela ficou cada vez mais parecida com ele. A cultura gospel é autocentrada, materialista, acha-se dona da verdade, tornou-se uma religião que nos faz prosperar, que não nos pede para renunciar a nada e que resolve todos os nossos problemas. Há um abismo colossal entre a cultura gospel e o evangelho de Jesus Cristo, que nos chama a amar sacrificalmente o nosso próximo, a cultivar um estilo de vida simples, a integrar o sofrimento na experiência existencial e a ter a humildade de ser um eterno aprendiz.

Estas reflexões já estavam fervilhando no meu coração há algum tempo. Pensei que estas coisas só aconteciam em certas igrejas, mas o que me motivou mesmo a colocá-las no papel foi ter participado de um culto numa Igreja Batista da Convenção.


• Osmar Ludovico da Silva é pastor da Igreja Evangélica Comunidade de Cristo em Cabedelo, PB. Ministra cursos de espiritualidade cristã, formação de líderes e restauração para missionários.

Sobre o homossexualismo

O termo homossexualismo refere-se à atividade sexual praticada entre pessoas do mesmo sexo. Especialistas concordam acerca do significado de “comportamento homossexual”, mas têm dificuldades em chegar a uma definição clara do que é ser homossexual. Alguns descrevem o homossexual com base na prática do homossexualismo, enquanto outros o fazem considerando a atração preferencial por pessoas do mesmo sexo. Uma pessoa pode sentir desejos homossexuais intensos sem nunca praticar o homossexualismo, enquanto há quem opte pela atividade mesmo quando a preferência é fortemente dirigida para o sexo oposto. Neste último caso, circunstâncias como a influência do alcoolismo ou confinamento em prisões podem precipitar a ocorrência de experiências homossexuais. O termo bissexual refere-se a indivíduos que praticam atividades tanto homo quanto heterossexuais, podendo haver predominância de uma dessas práticas.

Independentemente do como se conceitue homossexualidade, não há uma forma precisa de determinar sua prevalência. Alguns poucos estudos indicam que cerca de 4 a 5 % da população branca masculina conservam-se exclusivamente homossexual após a adolescência, enquanto entre 10 e 20 % mantêm relações regularmente com indivíduos de ambos os sexos. Pesquisas desenvolvidas com militares na Segunda Guerra Mundial revelaram que 1% dos homens em serviço eram homossexuais, estimando-se que idêntico percentual constituía-se de casos não detectados, isto é, 2% no total. Seja como for, as estatísticas revelam que o homossexualismo é pouco comum.

A história registra a homossexualidade em muitas civilizações antigas. Tanto o Antigo quanto o Novo Testamentos mencionam essa prática e são fortemente explícitos em proibi-las. Algumas civilizações — por exemplo, os antigos gregos — aparentemente aceitavam a prática do homossexualismo com pouca ou nenhuma desaprovação. Ainda que a maioria das culturas em nossos dias lide com essa questão, em certos grupos sociais não se encontraram nem sequer indícios de homossexualismo.

A causa da homossexualidade não está claramente identificada. As diversas teorias podem ser agrupadas em razão de apontar para um dos dois grupos gerais de causas: genéticas e psicogênicas.

O primeiro grupo, de causas “genéticas”, postula que um indivíduo pode herdar a predisposição para a homossexualidade. As teorias reunidas nesse grupo apontam para evidências obtidas em estudos com gêmeos, os quais revelam que a incidência de homossexualismo entre gêmeos idênticos é expressivamente maior do que em gêmeos não-idênticos.

Já o segundo grupo de teorias, chamado “psicogênico”, afirma que a identidade sexual é determinada pelo ambiente familiar e outros fatores do meio em que uma pessoa vive. Neste caso, as teorias apontam para a existência de denominadores comuns entre famílias de diversos homossexuais.

Pesquisas recentes indicam que as famílias mais propensas a gerar um rapaz homossexual são aquelas em que a mãe é muito íntima do filho, possessiva e dominante, enquanto o pai é desligado e hostil. São mães com tendência ao puritanismo, sexualmente frígidas e determinadas a desenvolver uma espécie de aliança com o filho contra o pai, a quem ela humilha. O filho torna-se excessivamente submisso à mãe, volta-se a ela em busca de proteção e fica ao seu lado em disputas contra o pai. Pais de homossexuais são freqüentemente distantes, não demonstrando entusiasmo ou afeição, e criticam os filhos. Sua tendência é menosprezar e humilhar o filho, dedicando-lhe muito pouco de seu tempo. O filho reage com medo, aversão e falta de respeito. Alguns estudiosos consideram que a relação entre pai e filho parece ser mais decisiva na formação da identidade sexual do jovem do que o relacionamento deste com sua mãe. Tais pesquisadores chegam a afirmar não ser possível uma criança se tornar homossexual se seu pai for carinhoso e amoroso.

Em alguns homossexuais é o medo do sexo oposto que parece ser o fator dominante, não a atração profunda por alguém do mesmo sexo. Uma vez resolvido esse medo com terapia, a heterossexualidade prevalece. Estudos recentes têm demonstrado, ainda, que a sedução por outros homossexuais — especialmente outros rapazes — não parece ser um fator relevante.

A chamada “homossexualidade latente” refere-se a conflitos emocionais similares aos da forma “aparente”, mas sem consciência do fato ou sem expressão pública dos conflitos.

Lesbianismo é o termo que se aplica à homossexualidade feminina. Como no caso do homossexualismo masculino, sua prevalência é desconhecida. Também neste caso a questão familiar desempenha um papel muito importante. Pesquisas demonstram que muitas mães de mulheres lésbicas tendem a ser hostis e competitivas com suas filhas, sendo muito ligadas aos filhos homens e ao pai. Além disso, os pais de mulheres homossexuais raramente desempenham um papel dominante na família e dificilmente mostram-se afeiçoados às filhas.

Tanto homens quanto mulheres homossexuais tendem ao isolamento e mostram dificuldade em fazer amizades, mesmo quando crianças. Na adolescência e na idade adulta eles raramente marcam encontros. A maioria dos homossexuais torna-se consciente de sua homossexualidade antes dos dezesseis anos — alguns até antes dos dez anos. Eles costumam optar pela vida em cidades grandes para aí formar seus próprios grupos sociais com regras, modo de vestir e linguagem próprios. Recentemente, tem-se observado o surgimento de organizações para melhorar a imagem do homossexual, as quais costumam negar que o homossexualismo seja um distúrbio ou anormalidade.

Leigos freqüentemente questionam se a homossexualidade deveria ser considerada uma doença ou um pecado. Uma coisa não exclui a outra. Pessoas cuja fé se baseia na Bíblia não podem duvidar que as claras proibições do comportamento homossexual façam dessa prática uma transgressão da lei divina. Por outro lado, há que se considerar a preponderância de opiniões de especialistas a apontar o homossexualismo como uma forma de psicopatologia que requer intervenção médica.

Muitos, em nossa sociedade moderna, negam a condição patológica do homossexualismo, recusam-se a considerar a existência de implicações de ordem moral e vêem a prática homossexual apenas como uma forma de expressão diferente do padrão de comportamento sexual da maioria da população. Assim, tais pessoas não apenas desencorajam a busca por ajuda como contribuem para que o homossexual se conforme com uma vida cada vez mais isolada e frustrante, independente de quão permissiva e condescendente nossa sociedade se torne.

Outra questão bastante levantada diz respeito à atitude da igreja em relação a homossexuais. Tais indivíduos se deparam com ouvidos insensíveis e portas fechadas na comunidade cristã. Essa reação intensifica os sentimentos de angústia e de solidão profunda, o completo desânimo que os assusta e, com freqüência, leva ao suicídio. Cristo, enquanto se opunha vigorosamente à doença e ao pecado, buscava doentes e pecadores com compreensão e misericórdia. A igreja erra quando se permite fazer menos.

A grande cobertura que a mídia faz do homossexualismo, resultado da recente atividade de organizações de homossexuais, tem tornado a homossexualidade mais aceitável como tópico de discussão. Dessa forma, a igreja sem dúvida tomará consciência do problema acontecendo com alguns de seus membros. Isto não deve surpreender, pelo menos por duas razões. Em primeiro lugar, o sentimento de solidão, a necessidade de contato humano e a imagem de si próprio como um desajustado levam o homossexual a ver a comunidade cristã como um refúgio e uma possível fonte de conforto. A outra razão está na frieza e rejeição, comuns no ambiente familiar, provocando ânsia por uma figura de pai amoroso, cálido e compassivo. É fácil entender como o cristianismo pode ser atraente, especialmente para suprir esta necessidade emocional.

Várias formas de psicoterapia têm sido usadas no tratamento de homossexuais, com diferentes níveis de sucesso. Como em qualquer tratamento psicoterápico, os resultados dependem de fatores múltiplos, com ênfase na motivação do paciente. Pessoas homossexuais tendem a ser desmotivadas, o que seja talvez um dos maiores desafios para o terapeuta. A experiência clínica tem mostrado que a motivação para mudar e a consciência do erro são essenciais para aumentar significativamente a expectativa de um tratamento bem-sucedido.


Nota
* Traduzido, com permissão de Baker Academic, uma divisão da Baker Publishing Group (www.BakerPublishingGroup.com), por Raquel Monteiro Cordeiro de Azeredo.